19.11.08

viva a realidade - conto

VIVA A REALIDADE Cido. Pedreiro. Carpinteiro. Maconheiro quando alguém ou alguma “banca” lhe presenteia. Angoleiro mesmo contra as indicações religiosas. (Nota do rabiscador – cuidado religiosidade demais faz mal(u)). Furador de poço. Desentupidor de esgoto. Pipoqueiro. Limpador de tumulo. Fotografo nas festas de sua pequena filha. Freqüentador do bar do Bearari nas tardes de sexta. 17 horas e vinte e cinco minutos, só para ver o por do sol. Pois algumas vezes o Sol lhe presenteava com o por. Freqüentador da Igreja Universal do Reino de deus. Médico de seu pai às vezes. Assassino de formigas quando atravessa a viela para chegar rápido em seu barraco. As vezes bêbado “os irmãos não podem me ver assim” – dizia a si mesmo quando estava bêbado. Morro da Desandada. Sua alimentação é à base de sofrimento e dor. Hoje trabalha como montador e técnico de aparelhagem para eventos de bandas, aniversários, eventos sonoros em geral. Sexta-feira. 13 de agosto. Lá estava ele no banheiro tomando um banho depois de ter conspirado junto com seu irmão, amigos e moradores do morro, a construção solidaria da laje de dona Sol. La fora, duas coroas fuma um baseado e observa o morro. Cido. Cansado, mesmo de ter tomado algumas cervejas no final da conspiração e de ter escutado que irmão da igreja não pode beber. Dormiu depois do banho. “Márcia me acorda as seis. Grato”. Preparava-se para trabalhar a noite, pois a aparelhagem foi locada para um evento de bandas. Cido depois de levantar da cama faz um alongamento e vestiu-se. Jantou e se despediu de sua companheira. “Cido vê se não demora... Volta logo, não gosto de ficar sozinha na sexta”. “Não depende de mim nega”. “Beijos”. Atravessou a rua, observou um rapaz passar e foi de encontro a um telefone publico. Telefonou para o dono da aparelhagem e disse que estava indo. “To indo”. Cido chegou, o caminhão já estava lá fora, com o dono e seu filho colocando a aparelhagem no caminhão, ele cumprimentou todos e já começou a trabalhar, carregando uma caixa de som. Caminhão lotado. Foi-se. O transito estava calmo. Tinha até um ciclista indo não sei pra onde. --- Olha lá aquela menina. – disse Cido ao vê-la com o cabelo espetado para cima. Todos olharam e não esboçaram nenhum gesto, apenas o Cido com sua critica destrutiva. Três horas de viagem com a sonoridade da realidade apenas. Favela Ame seu ódio. Chegando ao salão, apenas Marcelo que tomava conta do salão. Descarregaram o caminhão e montaram a aparelhagem no local. O evento tava marcado para começar meia-noite. 19 horas e 31 minutos. Cido ficou encarregado de ficar organizando a aparelhagem e telefonar depois que acabasse o evento. --- Cido tu fica ai e quando terminar o evento tu me telefona. --- Tudo bem. O dono da aparelhagem e seu filho foram embora. Tudo estava preparado. “Ah! os irmãos/irmãs não vão me ver. Vou tomar uma pra relaxar”. Cido caminha até o balcão e pede uma cerveja. No salão só estava ele e o Marcelo. Cido ficou esperando os organizadores do evento, tomando uma cerveja no local. --- Você sabe quem vem tocar aqui hoje? – perguntou Cido. Tomando sua cerveja calmamente. --- É uns punks ai da quebrada. – respondeu Marcelo. --- Punks? – sem entender. Mas não perguntou mais... – pegou sua cerveja e foi caminhar pelo salão. Cido observa o cartaz de outro evento: “Enquanto não tivermos criado uma sociedade ecológica, a capacidade de nos matarmos uns aos outros e de devastar o planeta fará de nós uma espécie menos evoluída do que as outras”. Gig Anarco Punk. Dia: 07.01.06. Local: Bar do Diaforéticos. Porão do lado esquerdo. Entrada: Uma bala de fuzil. “Estranho”- pensou. Os organizadores apareceram, cumprimentaram Cido e foram arrumar o visual do local. “Ke evento é esse?” – perguntou Cido a si mesmo. “pessoas estranhas” – observando o ambiente. Exposições “Calcinhas sujas” de Adnama, Beijos no cóccix de Nauá. Expo de fotos de guerrilha urbana, cartazes, livros para vender, fanzines, camisetas, etc. Cido ficou só observando. Velas pretas e vermelhas por todo palco. “Que pessoal estranho. Esse que são os tais punks” pensava. “Caralho o que será isso!?” – disse Cido ao ver um cartaz onde estava escrito: Deus é uma mentira. “Será coisa do demônio? To com meda” – riu. --- Cido – chamou um dos organizadores. --- O que? – respondeu. ---- Vamos passar um som? --- Tudo bem. – respondeu Cido caminhando até o palco e arrumando tudo. A banda passou o som. Cido estranhou pelo barulho. Depois de passado o som. Os organizadores saíram. Cido ficou esperando. Cido ficou só observando, observando... Tempo depois, disse: “Muito bom!” – ao ver um cartaz onde estava escrito “Se não há justiça para os pobres, que não haja paz para os ricos”. Continuou dando um “role” e observando uma das exposições. As pessoas foram chegando. Chegando. Cido observou que todos estavam de preto ou quase. Mas cada um com seu visual. Alguns de cabelos espetados, jaquetas de rebites. Garotas e garotos. Alguns carregavam em suas camisetas frases como: “Já basta! Chega de crueldade. Com o desenho de dois pequenos macacos presos numa gaiola. Chega de homofobia com o desenho de duas mulheres se beijando na boca, contra o nazismo, contra o fascismo, contra o nacionalismo... que só ferem a liberdade! Vote nulo! Viva a contra cultura punk! Antiarte arma viva kontra o poder. Black block vive! Sem pátria nem patrão. Rodeio é tortura não é arte nem cultura. Algumas crianças, ali do morro, entrava e saia várias vezes. A entrada para elas era liberada. Ah! Na entrada eles estavam cobrando R$3 reais para ajudar na locação da aparelhagem. Meia noite sobe no “palco” o organizador e diz: “O evento vai começar. Sirva-se do veneno!!!”. “Este evento e beneficente a La Revolucion del pueblo de Oaxaca (México) ”. Recitou uma poesia. Monólogo da Televisão. Assobios, gritos e urros. Tinha uma faixa que ficava atrás da bateria. “Viva a Livre Putoesia”. Vários cartazes: Anti-racismo, anti-sexismo, anti-homofobia... A primeira banda a subir foi Katarro Bruto. Crustcore com letras que retratam a realidade nua e crua, a vida terráquea e a contracultura punk. Cido estava na mesa de som controlando a sonoridade quando ele ouviu: “Deus é uma mentira! Sua existência só serviu para causar discórdia entre a humanidade”. “Punk é anti-deus!”. Ele ficou chocado. “Esse povo não acredita em deus? Credo!” – pensou. Uma menina com um sobretudo preto, chegou no meio do “palco” tirou-o. Nua estava. Em pelos. A garota começou a apresentar sua performance “Abismo”. A menina bebeu um cálice com um liquido parecendo sangue mais era vinho, descobriu depois. A banda começou a tocar. Alguns começaram a pogar/dançar. Depois entrou a banda Auto-cadáver. “barulhento” – disse a si mesmo Cido. Depois subiu no palco um rapaz chamado Nanû. Apresentou sua performance “Cadáver do ser supremo” seguindo depois pela banda com o mesmo nome. Cido ficou chocado com a performance e com a banda. “Deus está morto e nós estamos felizes” “Deus e o diabo são mentiras, só servem para dominar” – disse o vocal da banda. Passou pelo evento: Stupid Patriotism, Estilhaços de ódio, L@ desgracione, Bruxas descalças, Trapus & ferrapus, La decadence, Androginia, In desconcert. Para finalizar o evento, entra a banda Cadáver de Lágrimas contidas no frasco da geladeira ao lado de seus olhos decepados. Apresentaram o ruído performático dedicado a morte da arte. Construir música e destruir. O evento acabou. Seis horas da manhã. Cido sem a noção do tempo, saiu para fora do salão quando seus sentidos descobriram que era dia. Caminhou até o orelhão que ficava do outro lado da rua e telefonou para o dono da aparelhagem. Enquanto esperava o caminhão, foi desmontando a aparelhagem e levando para fora do evento. Os punxs que ficaram no local ajudara-no. Cido voltou para casa. Interrogações pelo caminho de volta. Descobriu que a igreja mente, a televisão, os jornais mentem! No outro dia, Cido caminhou até um trabalho que arrumou para ganhar alguns trocados. Vendedor de café na rodoviária. Conversou com seu companheiro de vendas, outro vendedor. Comentou sobre o trabalho que fez pra uns indivíduos e comentou sobre o evento. --- É cumpadi, vou parar de freqüentar a igreja. Muita mentira. Cido. Loiro de olhos vermelhos. Márcia. Negra de olhos negros. (Anigav – prostituta luta por ti)

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